Circunstâncias para o estudo em Bibliografia e Documentação

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Ao longo da história, a utopia de acesso a todo o conhecimento numa plataforma singular foi alimentada nos sonhos humanos. Verifica-se desde a Biblioteca de Alexandria com o catálogo Pinakes, contendo 120 assuntos; pelas inúmeras bibliografias ‘universais’ e catálogos coletivos nacionais, da Idade Média à Modernidade, como é caso da primeira bibliografia de caráter geral: “Bibliotheca universalis” de Konrad Gesner, arrolando 15.000 livros que foram classificados alfabeticamente pelo prenome dos autores com a clara intenção de reunir, senão toda, a maior cobertura de assuntos disponíveis nos livros escritos em latim, grego e hebraico, e a primeira Bibliografia Nacional, Grã-Bretanha, elaborada por John Bale, sendo um repertório de livros escritos por autores de um só país: “Scriptorum ilustriu Maiors Brytannie, quam nune Angliam & Scotian uocant: Catalogus”. Estimulado principalmente pela invenção de Gutenberg, tal sonho atravessou os séculos, alcançou e inspirou visionários de um mundo marcado por revoluções culturais, políticas, científicas, tecnológicas que ainda persistem em modificá-lo de algum modo. Sociedade da Informação e Sociedade do Conhecimento são denominações recentes que aparecem com frequência na mídia e nas mais diversas esferas, do acadêmico ao puramente coloquial. Essas expressões referem-se ao fenômeno do crescimento vertiginoso da quantidade de informações circulantes com uma dinâmica imparável. Furedi (2015, não paginado, tradução nossa) argumenta que com as mudanças tecnológicas, sobretudo, o advento das tecnologias da informação e comunicação, a sociedade estaria se afogando em uma enxurrada de informações trazidas pelo ritmo frenético da mudança tecnológica e acrescenta que “um passeio pela história, no entanto, nos mostra que essas preocupações não são novidade”. Pode-se dizer que, o advento dos tipos móveis de Gutenberg foi o marco para a escalada da ‘explosão da informação’. Concomitante a este fenômeno, os modos de buscar e consumir informação dos grupos humanos têm sido modificados pela exposição à informação e pelos processos de sua transferência. Na década de 1950, Bradford cunhou o termo ‘caos documentário’, expressando a necessidade de se haver mais esforços coletivos para problemas de informação através da organização e controle da informação. Ao fim da década de 1980, Wurman (1989) trouxe a noção de ansiedade da informação relacionada com a explosão informacional capaz de gerar patologias agonizantes, inibindo, por exemplo, a capacidade criativa individual ou coletiva. Com o advento das tecnologias baseadas em rede de computação, percebe-se uma mudança radical nos sistemas de transferência de informação. Se a abundância de documentação já existente podia produzir efeito de frustração para estudiosos e pesquisadores que queriam descobrir tópicos de seus interesses, a irrupção da nova mídia baseada em rede só contribuiu para o problema. A cada ano, centenas de milhares de livros, artigos, teses de doutorado, relatórios, páginas da web etc. são criados, e a documentação convencional sofre mudanças ou substituições de formatos, causando uma sensação de perplexidade e desamparo entre aqueles que buscam velocidade e eficiência na obtenção de informações (CORDÓN GARCÍA; LOPES LUCAS; VAQUERO PULIDO, 2001). Nesse aspecto, a sobrecarga da informação não está limitada apenas aos sistemas de informação, traz em si questões sociais capazes de comprometer o próprio avanço do conhecimento, seja pela dispersão de dados ou pela dificuldade de o sujeito manter-se informado, e nisso, residem ainda os problemas inerentes à formatação dos caminhos neurais humanos (CARR, 2010). Na Era Digital, por exemplo, a exposição excessiva a dados pode oferecer a sensação de disponibilidade total; contudo, isso pode causar ansiedade por mais informação (CASE, 2012). Furedi (2015, não paginado), em sua analogia da Era Digital à Era da Distração, argumenta que: “o ritmo frenético da mudança tecnológica torna difícil, se não impossível, concentrar-se em livros e textos desafiadores”. No campo da comunicação científica, Mueller e Santos (2000) destacam que no berço de estudos na área da informação, o tema comunicação científica foi explorado por métodos quantitativos, como por exemplo, nos estudos de citação, e com o tempo, foram a eles acrescidos de métodos da Sociologia da Ciência, o que permitiu tratar a ciência como fenômeno mensurável. No entanto, o conhecimento científico depende da acumulação de sua literatura por meios lógicos de aceitação coletiva e colaborativa, organização permanente, armazenamento e transferência. Isso expressa também que o acúmulo na comunicação em ciência em si representa relativa sobrecarga de informação, seja em canais formais ou informais de comunicação. E quanto maior é a produção dos registros do conhecimento, maior se torna a necessidade de oferta de serviços e produtos elaborados pelo trabalho bibliográfico, o que faz da Internet, e tudo que há nela, por exemplo, uma fonte a mais para a Bibliografia e a Documentação. Pois, como Peter Drucker (1999) já havia observado ao fim do Século XX, a experiência humana com a Tecnologias da Informação e Comunicação demonstra que elas são maiores produtoras de dados e não de informações, úteis para tomadas de decisão. Partindo da noção de uso da informação, trocamos, difundimos e consumimos informação a todo momento e há muito a ser pesquisado nesse sentido. No início do Século XXI, as bases de dados em linha se multiplicaram e as bibliotecas digitais cresceram exponencialmente, difundidas mediante modelos operacionais como tentativas de colmatar o fosso digital e limitações físicas de acesso a informações. No entanto, nenhum modelo de biblioteca digital pode ser considerado definitivo, nenhuma base de dados pode ser considerada completa, nenhum sistema de recuperação da informação se demonstra totalmente eficaz. Mesmo diante da evolução de tecnologias Web, a constante modificação dos usos e o emprego de novas tecnologias ditam novos versionamentos funcionais; desse modo, influenciando comportamentos de busca e consumo entre suas comunidades de utilizadores. Além disso, a literatura especializada concebe empreendimentos em gestão da informação como condição para se endereçar os melhores esforços de tomadas de decisão ou quaisquer outros usos da informação. Essas e outras inquietações do Século XXI refletem antigas questões; prioridades do trabalho bibliográfico, que acompanham quaisquer mudanças inerentes à natureza dos sistemas de informação. Se as constantes mudanças da comunicação da informação tiveram o trabalho bibliográfico como uma necessidade social, questões de quantidade e qualidade foram ampliadas na Era Digital. Os problemas de informação permanecem inerentes à inflação de dados correntes nos contextos de seu uso, e potencializados com a mudança do ambiente informacional, pós advento da Web 2.0. Os alardes relativos à sobrecarga da informação fecundaram, dentre outras, noções como caos documentário, explosão da informação, ansiedade da informação, mensuração da ciência e mais recentemente Big Data. Desde então, proporcionalmente, o trabalho bibliográfico parece ter sido empregado à busca de solução em quaisquer contextos de sistemas informacionais; e o documento, em todas possíveis arquiteturas e formatos, aguarda seus utilizadores. O percurso histórico do acúmulo documental e a sobrecarga da informação também indica que a Bibliografia e a Documentação permanecerão necessárias, levando aos horizontes do uso da informação tantos outros assuntos que caracterizam o presente e o futuro do trabalho bibliográfico. Todavia, os valores atribuídos à informação evidencia que a humanidade continuará a buscar a quimera de ter acesso a tudo em um único lugar. É em todo esse contexto que os estudos no campo da Bibliografia e Documentação continuam a ser atuais. O futuro do trabalho bibliográfico continuará a desenvolver-se na seguinte proporção: quanto maior o valor social à informação maior se exigirá instrumentos e produtos que possam tanto representar a informação quanto recuperá-la, tendo como essenciais a disponibilidade de informação e o controle bibliográfico como condições em torno do processo de conhecimento que se destina ao uso da informação.

Referências

CARR, Nicola G. The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains. New York: W. W. Norton, 2010.

CASE, Donald O. Looking for information: a survey of research on information seeking, needs, and behavior. 3rd ed. London: Emerald Group, 2012.

CORDÓN GARCÍA, José Antonio; LOPEZ LUCAS, Jesus; VAQUERO PULIDO, José Raul. Manual de investigación bibliográfica y documental: teoría y práctica. Madrid: Pirámide, 2001.

DRUCKER, Peter. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, 1999.

FUREDI, Frank. Information Overload or a Search for Meaning? The American Interest, [S. l.], 2015.

MUELLER, Suzana Pinheiro Machado; PASSOS, Edilenice Jovelina Lima (Org.). Comunicação científica. Brasília, DF; Universidade de Brasília, 2000.

WURMAN, Richard Saul. Information Anxiety. New York: Doubleday, 1989.

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