É com grande satisfação que trazemos hoje uma entrevista exclusiva com o fundador da Sociedade Bibliográfica Brasileira (SBB), o renomado professor doutor Eduardo Alentejo. Com uma trajetória marcada por sua atuação no Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), o Prof. Dr. Alentejo compartilhará conosco sua visão sobre a criação da SBB, seus objetivos e desafios, além de suas expectativas para o futuro da sociedade.
Acompanhe essa conversa enriquecedora sobre biblioteconomia, ciência da informação e os esforços da SBB para promover o conhecimento e a reflexão no Brasil.
Cordialmente, Rodrias.

Prezado Rodrigo,
Uma oportunidade ímpar que você me proporciona, desde já muito obrigado.
Começaremos falando sobre a Sociedade Bibliográfica Brasileira (SBB). Você pode nos contar como surgiu a ideia de criar a SBB?
Sempre foi um sonho que alimentei desde a minha graduação e que ganhou força com a histórias de institutos de bibliografia e documentação como a britânica Bibliographical Society, fundada em 1892, o Instituto Internacional de Bibliografia, Bruxelas, em 1893 e o Centre de Synthèse Historique, na França em 1934. Mas, foi em 2016 que descobri o empreendimento de Félix Ferreira que na reforma da Bibliotheca Fluminense criou a Sociedade Bibliographica Brazileira, em 1886 cuja divulgação foi feita por muitos jornais do Rio de Janeiro e de outros estados. Algo inédito na história desses institutos principalmente porque previa o estímulo da leitura para todos de autores brasileiros. Para mim, uma inspiração que merecia ser resgatada.
Você disse em uma entrevista que a SBB tem como objetivo “promover a reflexão e a discussão sobre a biblioteconomia e a ciência da informação no Brasil”. Como a SBB pretende alcançar esse objetivo?
Primeiro, vale destacar que como pesquisador na área, tenho observado uma polifonia acerca de fundamentos e conceitos acerca dos vários domínios da biblioteconomia. A primeira delas é resultado do internacionalismo, caracterizado pelo bibliotecário sul-africano Peter Lor como influência de um país sobre outros. Por exemplo, a associação entre biblioteconomia e ciência da informação é um termo natural adotado nos Estados Unidos – Information and Library Sciences – sim, ciências no plural – e maior do que essa influência, temos o fenômeno da Ciência da Informação no Brasil apresentada ora como termo substitutivo da Biblioteconomia ora como disciplina ou metaciência da qual alguns situam a biblioteconomia. Esse internacionalismo acabou, ao menos nos cursos de graduação em biblioteconomia, reescrevendo a história do desenvolvimento do conhecimento por meio da biblioteca, do livro, do catálogo, da bibliografia, impondo-lhe a circunstância de algo que pertence a grande área desenvolvida pelos norte-americanos, a tal ciência da informação como entendimento que buscou suplantar a Documentação dos belgas Otlet e La Fontaine – intenção bem sucedida no próprio EUA e em países cujos problemas de educação, biblioteca e analfabetismo, por exemplo, são sistêmicos, como é o caso do Brasil. Depois de esclarecer isso, posso dizer que os objetivos da SBB para as comunidades de informação é contar histórias sobre o desenvolvimento do conhecimento por meio dos documentos, da bibliografia e claro, das bibliotecas e outros centros de cultura. Além disso, publicar artigos e livros que possam ser relevantes para apresentar a ordem e clareza das coisas, afinal, ao olhar a segunda lei da termodinâmica, a entropia reside no futuro. Temos que atuar já, agora.
A SBB tem uma série de atividades e iniciativas que contribuem para o seu objetivo. Quais são essas atividades e iniciativas?
Tal como ocorreu com a primeira SBB, de Félix Ferreira, a SBB se deteve em muitos planejamentos para atividades e publicações por falta de orçamento e restrições orçamentárias advindas do setor público, federal, estadual e municipal, que impediram o avanço de muitas de suas ações. Em 2023, tinha-se a expectativa de que, por meio de editais ou chamadas de bolsas de agências de fomento, conseguiria ter os recursos suficientes para colocar em prática:
1) constituição de revista eletrônica científica para a bibliografia e documentação;
2) editora de e-book para publicações do selo SBB;
3) instituir e manter a bibliografia corrente on-line especializada para a área;
4) instituir um congresso anual e nacional para apreciar o estado da arte da produção e profissão de bibliotecários e bibliógrafos;
5) criar cursos profissionalizantes em bibliografia, intelectual e material.
A despeito das dificuldades financeiras que foram ampliadas em 2023, conseguimos, por enquanto, atingir o segundo objetivo, já temos algumas publicações sob o selo SBB. Obviamente, uma tentativa de superar tais dificuldades é oferecer serviços e produtos bibliográficos cujos lucros poderiam ser aplicados para o engajamento dos demais objetivos.
O blog da SBB é um espaço importante para a divulgação de informações sobre a biblioteconomia e a ciência da informação. Como você avalia o desempenho do blog da SBB?
O blog é um canal de comunicação com a sociedade. A SBB se configura como um espaço para todos no sentido de que o resultado do trabalho bibliográfico é para aproveitamento da sociedade, de sua variedade e multiculturalidade. É pensar que a bibliografia e a documentação não são áreas subjugadas ao formalismo da Biblioteconomia e à Ciência da Informação, compreendidas como áreas acadêmicas que envolvem diplomação. É dizer, com isso, que qualquer pessoa é capaz de produzir informação por meio do trabalho bibliográfico para várias finalidades, tais como: atender à comunidade de prática a qual o sujeito pertence ou mesmo ao infoempreenderorismo que para a SBB é a capacidade de desenvolver rendas por meio dos conhecimentos seculares da bibliografia e documentação. Talvez seja essa a razão de o blog ser consumido também por pessoas comuns, não ligadas à academia.
Você também é autor de vários livros e artigos sobre biblioteconomia e ciência da informação. Como a sua produção científica contribui para o desenvolvimento dessas áreas?
Creio que o pouco que escrevi é fruto da reflexão em desenvolvimento sobre a história do desenvolvimento do conhecimento, do livro e documentos, das tecnologias intelectuais e bibliotecas. Isso demonstra a força que a bibliografia e a documentação exercem para os progressos e memórias dos saberes, constituindo-se, assim, como as ciências reais. Bibliografia e Documentação são ciências sociais que têm sustentado as comunidades de pesquisa pelos seus efeitos de controle da informação, continuidade do conhecimento registrado e garantia de seu acesso pelas futuras gerações.
Como a SBB pretende se relacionar com outras organizações e instituições relacionadas à biblioteconomia e à ciência da informação?
A cooperação é uma característica que está na gênese do trabalho bibliotecário e é a genética do bibliotecário. Algo observável desde Cleópatra à Documentação do Século XIX, desde as várias iniciativas de associação bibliotecária no início do Século XX aos Princípios de Paris em 1961 e desde o surgimento do formato MARC ao Programa de Controle Bibliográfico Universal, da IFLa/Unesco em 1977. Em qualquer época da história do conhecimento, a cooperação é a base destes e de tantos outros empreendimentos que se traduzem num fenômeno social nato ao trabalho bibliográfico: universalização do conhecimento. Na Era Digital, essa vocação se torna estreita e exige um relacionamento em busca da transferência tecnológica, da cooperação técnica e do intercâmbio da informação bibliográfica, livre de barreiras. Estas são as características que sustentam o relacionamento da SBB com outras instituições de ciência, memória, cultura, educação e empreendedorismo.
Quais são os desafios e oportunidades que a SBB enfrenta no Brasil atual?
Internamente, como observei acima, as dificuldades financeiras por falta de investimentos públicos, diminuição gradativa de editais e limitações de bolsas de pesquisa e de estudo são elementos acentuados no ano de 2023. Externamente, os desafios estão relacionados aos problemas de educação, analfabetismo, falta de perspectivas de futuro para jovens, como o primeiro emprego, acesso à memória cultural nacional e as restrições orçamentárias – públicas e privadas – para a educação e bibliotecas. Vale ressaltar que essas dificuldades não se configuram em desânimo ou impedimento para que a SBB busque, no que couber, atender à sociedade.
O que o professor Alentejo espera que a SBB alcance nos próximos 10 anos?
Eu espero que a SBB alcance essa longevidade e que continue a despeito de eu estar aqui. Espero que as gerações futuras mantenham a SBB de pé, atuante e que tenham a garra necessária para dar sua continuidade e a melhore, sempre.
Por fim, gostaria de lhe perguntar sobre o futuro da SBB. Quais são as suas expectativas para a SBB nos próximos anos?
O futuro da SBB é incerto, no futuro reside a entropia e a desordem das coisas. No entanto, como fatalidade, a universalização do conhecimento foi iniciada, é irreversível e um dia se cumprirá para a humanidade, espero que a SBB esteja lá para ser testemunha desse destino inexorável da humanidade: universalização do conhecimento.
Amei a entrevista com esse gigante da Biblioteconomia, tive o prazer de ser aluna dele na UniRio.
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