Por Gabriel Alves Pereira
Mestre em História Social-UFRJ. Bacharel em Biblioteconomia-UNIRIO CVLattes: http://lattes.cnpq.br/5937472697703500
12 de março de 2025.
Quando pensamos sobre livros, nós bibliotecários buscamos analisar esse item como um objeto material; focamos em representação descritiva e de assunto, características físicas, a etimologia da palavra livro etc. Contudo, nossa proposta de reflexão para hoje é diferente.
Um breve olhar para o bibliotecário do século XXI, percebemos que ele está muito voltado às questões em torno dos elementos dos livros, suas idiossincrasias físicas e na aplicação de novas tecnologias para a melhoria de serviços e produtos – como por exemplo, os debates em torno da Inteligência Artificial para a organização de livros nas bibliotecas, incluindo aí coleções digitais. Portanto, podemos dizer que o bibliotecário pós-moderno está cada vez mais tecnicista.
Logo, ao longo das últimas décadas, bibliotecários já consolidaram a importância de sua tecnicidade, mas têm perdido, talvez, uma das suas principais características: a erudição. Parece que os bibliotecários não conseguem olhar para os livros de outra forma que não seja como simples “objetos materiais”, “suportes para escrita”.
Para além das análises técnicas e das características físicas, os livros representam e carregam as formas de pensar, agir e sentir de uma sociedade; partindo das reflexões sociológicas de Émile Durkheim, o livro pode ser compreendido como um fato social, um produto gerado pelas práticas e relações humanas.
Em uma passagem da obra “O Senhor dos Anéis: as duas torres” de J. R. R. Tolkien, os hobbits Frodo e Sam chegam às escadas de Cirith Ungol, nas montanhas ocidentais de Mordor. Para se afastarem daquele clima de tensão, por estarem num local perigoso, os dois amigos começam a conversar sobre a vida e suas inesperadas aventuras até então.

Durante esse diálogo, Sam afirma: “eu me pergunto se algum dia vamos aparecer em canções ou histórias […] se seremos colocados em palavras, para serem contadas perto do fogo ou lidas em um grande livro com letras vermelhas e pretas, muitos e muitos anos depois”. Aqui temos uma representação do livro que vai além de suas características físicas: o personagem deseja entrar na história, ser lembrado, permanecer na memória.
Por conseguinte, o que me parece é que falta para o bibliotecário do século XXI o olhar para o livro segundo o filósofo espanhol Ortega y Gasset, ou seja, como uma “forma de vida humana”; uma “tremenda realidade humana”.
Essa reflexão de Ortega y Gasset vem desde a filosofia clássica. Na sabedoria socrática, os livros seriam “dizeres escritos”. Essa conceitualização pode ser encontrada no Fedro, um dos mais famosos diálogos de Platão. Nesta obra, Sócrates ensina o jovem Fedro a diferenciar os verdadeiros dos falsos livros.
Os verdadeiros livros seriam aqueles em que o autor teria algo de novo a nos revelar. Por exemplo, o discurso de Lísias, que tanto chamou a atenção de Fedro, segundo Edson Nery da Fonseca, deveria ser “desprezado por sua esterilidade: por não conter em si aquelas sementes que produzem novas sementes em outras almas”.
Portanto, falta para nós, bibliotecários, esse olhar muito mais humano que tecnicista; reflexões que vão além dos problemas de organização das coleções ou dos dilemas tecnológicos que a realidade digital impõe.
De acordo com o intelectual argentino Jorge Luis Borges, os livros são extensões da memória e da imaginação humana. O ensaísta sempre imaginou o paraíso como uma “espécie de biblioteca”. Para Borges, os livros eram como entidades sagradas, janelas para outros mundos e tempos – por onde atuavam os bibliotecários eruditos. Na atualidade, por onde andam?
Um feliz dia do bibliotecário para todos!
- Imagem gerada por IA.