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O QUE SÃO LIVROS DE HORAS?

Por Gabriel Alves

A partir do século XIII a produção livresca deixa de ser um monopólio monástico e chega as cidades, especificamente nos ateliês laicos. Além disso, é um período que marca o surgimento de uma devoção popular (leiga) que vem da vontade de uma maior participação na vida religiosa sem a necessidade de se frequentar igrejas. É nesse contexto que surge uma tipologia de manuscrito que ficou conhecida como a mais famosa, um best-seller medieval segundo o medievalista Christopher de Hamel. Estamos nos referindo aos livros de horas.

Originários dos breviários e antifonários, os livros de horas reúnem as orações, cantos e leituras necessárias para o Ofício Divino. Nele são organizadas as orações cotidianas dos religiosos, ou seja, de monges, mendicantes e do clero regular. Essas orações são organizadas nas oito horas canônicas para um ideal de vida em contemplação, essas horas seriam as matinas, laudes, prima, terça, nona, sexta, véspera e completas. Portanto, os livros de horas eram manuscritos de orações para leigos, para o uso privado em casa ou em qualquer lugar, não sendo necessário seu uso especificamente dentro de uma igreja.

Um fator importante e característico dos livros de horas, segundo Maria Izabel Escano, é a expansão da devoção ao culto à Virgem. Há uma importância teológica fundamental nesse culto, pois, desde o século II, Maria é considerada como uma segunda Eva, aquela que veio para restaurar a humanidade. Ela é o caminho pelo qual o Cristo chegou a humanidade, e também aquela por meio do qual os fieis alcançam o Cristo. Ou seja, ela é um ponto de intercessão entre o Cristo e a humanidade.

Um ponto importante que explica essa expansão do culto à Virgem é a criação do Ofício da Virgem Maria, durante o século IX por Bento de Aniane (c. 750-821). Ele foi adicionado ao Ofício dos clérigos como parte dos antifonários, tornando-se uma leitura obrigatória. A partir do século XII ele passa a ser encontrado nos saltérios, esses que, durante o século XIII, perdem os salmos e passam a conter somente os Ofícios, gerando assim os livros de horas.

Dessa forma, os livros de horas ficaram conhecidos por serem os instrumentos dessas novas práticas religiosas. São manuscritos que possuem o Pequeno Ofício da Virgem Maria, outros ofícios, calendário litúrgico, salmos, textos para edificação e recitações diárias para os leigos, conforme as horas canônicas. A leitura desses livros também era considerada como um meio de preparação para a hora da morte e para se alcançar a salvação. Além disso, não eram livros oficiais da Igreja, logo, seu conteúdo era selecionado por seus futuros proprietários.

Abaixo, trazemos duas imagens de fólios de alguns desses livros de horas.

 

Sem título

Calendário do livro de horas de Catarina de Cleves, 1440. . Pierpont Morgan Library, New York, M.917

 

virgem 2

Cena da Anunciação. Livro de Horas para uso de Sarum. Primeiro quarto do século XIV.  Cambridge Digital Library, Ms Dd. 4. 17. 

 

Sugestões bibliográficas para estudos específicos de livros de horas:

HAMEL, Christopher de. Manuscritos notáveis. São Paulo: Companhia das letras, 2017.

______. A History of Illuminated Manuscripts. London: Phaidon Press, 2006.

______. Scribes and Illuminators. Buffalo: University of Toronto Press, 1992.

CLARK, Gregory T. The spitz master: a parisian book of hours. Getty museum studies on art, 2003.

SOUZA, Maria Izabel Escano Duarte de. Orações pintadas: iconografia mariana , práticas devocionais e funções das iluminuras dos livros de horas da Real Biblioteca Portuguesa. Dissertação (Mestrado em história social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.