Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvidas, o livro. Os demais são extensões do seu corpo… O livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. – Jorge Luís Borges.
Essa famosa citação de Jorge Luís Borges representa o caminho de reflexão que eu gostaria de traçar nesse Dia Mundial do Livro: o que esse objeto representa em nossas vidas? Aqui não estou propondo uma definição para o conceito “livro”, até porque isso já foi discutido com certa exaustão. Nosso objetivo é pensar sobre a importância desse objeto no nosso interior, dentro do nosso Ser.
Para além de ser um suporte para escrita e leitura, o livro é algo que alcança o nosso cognitivo. Ele já teve diversos formatos – desde tábuas de argila, papiros e pergaminhos do mundo antigo, passando pelos códices medievais até os impressos da modernidade – sempre mexendo com nosso imaginário, nossa memória, nosso raciocínio, nosso juízo. Como bem argumenta o filósofo Ortega y Gasset, os livros representam uma “forma de vida humana.”
Me recordo que não fui uma criança que lia muito. Apesar de crescer com incentivos à leitura (minha mãe sempre lia alguns contos infantis para mim, como “Os três porquinhos”, “João e o pé de feijão”, entre outros) eu preferia assistir televisão ou estar na rua com os amigos.
Contudo, durante a adolescência tive a vontade de ler “O Código da Vinci” de Dan Brown que estava em alta até então. Apesar de ser uma literatura repleta de sensacionalismos e imprecisões históricas, a obra abriu a minha mente para o gosto pela leitura e para a formação que eu gostaria de ter no futuro. Se hoje sou um bibliotecário e historiador com interesses em história da arte, Dan Brown tem certa influência nisso.
Portanto, foi o livro, por meio da palavra escrita, da literatura, que formou o ser humano que vos escreve nesse momento. Aliás, de certa forma a literatura move nossas vidas. Ela é responsável pelo desenvolvimento de nossa cultura, costumes, ações etc. O livro moldou a nossa história e a nossa civilização, ele nos trouxe para esse momento do tempo presente.
Segundo Martin Puchner, é impossível imaginarmos o nosso mundo sem a literatura; um mundo com livrarias e bibliotecas vazias, sem um livro de cabeceira para lermos à noite quando estamos com insônia. O nosso mundo não seria o que é hoje se não fosse pela literatura. E ele tem razão.
São diversos os personagens e acontecimentos históricos que tiveram a presença do livro e da literatura.
Alexandre o Grande em suas campanhas pelo mundo antigo carregava a “Ilíada” de Homero como um texto fundamental e de inspiração para a sua vida e objetivos; graças a palavra escrita os textos clássicos de filosofia como Platão, Aristóteles e Confúcio chegaram aos dias atuais; foi por meio da leitura e reflexão a respeito do “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels que a União Soviética montou as bases dos seus ideais. Por conseguinte, para o bem ou para o mal, a literatura tem uma importância crucial para a construção da nossa civilização.
É isso que o livro faz; ele é capaz de penetrar na nossa mente, de se instalar no nosso Ser, de apresentar resoluções para nossos conflitos internos e externos enquanto indivíduos antagonizados (aqui me refiro ao sentido freudiano do termo “indivíduo”, ou seja, as disputas internas e externas da nossa psique).
Pegar o livro, abri-lo, folhear, ler, refletir, pensar, analisar, escrever. Talvez esse seja um dos maiores prazeres da vida humana.
O historiador francês Roger Chartier nos lembra que o livro é muito mais do que um simples objeto físico, ou seja, eles são produtos provenientes de uma construção social, histórica e cultural.
Eles não são apenas suportes para leitura e escrita, mas fazem parte de todo um “sistema de práticas sociais” que envolve a produção, circulação, leitura e apropriação dos textos.
Chartier afirma que o sentido da palavra escrita não está apenas no que o autor escreveu, mas também em como o leitor irá interpretá-la. E essa leitura irá depender de fatores políticos, sociais, culturais, históricos etc.
Contudo quando analisamos a situação do nosso País, os dados assustam no que diz respeito à leitura. Segundo a 6° edição do “Retratos da leitura no Brasil”, do Instituto Pró-livro, o País de hoje teria, aproximadamente, 93,4 milhões de leitores, isto é, uma redução de 6,7 milhões se compararmos aos quatro anos anteriores. Além disso, de todos os entrevistados, 53% não teriam lido sequer uma obra inteira nos três meses anteriores à pesquisa – são dados alarmantes porque é a primeira vez na história brasileira que podemos concluir que a maioria dos brasileiros não leem um livro sequer.
Além de hoje ser o Dia Mundial do Livro, o Rio de Janeiro foi escolhido como a “Capital Mundial do Livro” no ano de 2025. Esse é um momento chave para tentarmos mudar esse cenário e trabalharmos o incentivo à leitura. Por mais que os livros ainda sejam produtos com um alto valor de aquisição, o Brasil tem uma série de bibliotecas públicas com todo tipo de literatura que podemos imaginar – só a cidade do Rio de Janeiro possui cerca de 31 bibliotecas municipais, por exemplo.
É o momento de bibliotecários, profissionais do livro, intelectuais, profissionais da comunicação etc., atuarem juntos em prol de algo que é essencial para a nossa formação enquanto cidadãos brasileiros.
O intelectual americano Lionel Trilling recorda que a literatura é um recurso essencial para compreendermos a profundidade da experiência humana; ela nos ajuda a viver com as ambiguidades, as incertezas e as contradições da existência. Segundo Trilling, “a função moral da literatura é ensinar a complexidade da vida e a dificuldade das escolhas humanas.”
Referências
BROWN, Dan. O Código Da Vinci. São Paulo: Arqueiro, 2004.
CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Ed. Unesp, 2014.
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